domingo, 1 de fevereiro de 2009

Cooperativa Cearense de Teatro



Cena local anuncia nova cooperativa - Diário do Nordeste - Caderno 3



Acontece hoje, dia 31/01/2009, mais uma reunião formativa da Cooperativa Cearense de Teatro.

A exemplo do que já acontece em São Paulo e, mais recentemente, no Rio de Janeiro, artistas e demais profissionais envolvidos com a produção teatral planejam fundar aqui no Ceará uma cooperativa para fomentar o desenvolvimento de projetos, garantindo não só mais legitimidade na captação de recursos como maior agilidade na utilização coletiva do mesmo. Os interessados em engrossar esse movimento podem se inteirar do processo em mais uma reunião, marcada para hoje, às 10h, no auditório do Sistema OCB-Sescoop/CE.

O encontro pretende reforçar as decisões tomadas no último dia 17, quando cerca de 40 profissionais estiveram reunidos para firmar as bases da futura Cooperativa Cearense de Teatro. Até o momento, 12 grupos locais estão envolvidos na composição da entidade, que se coloca como um dos frutos da rede Conte (Conexão Nordeste de Teatro), articulada desde 2004. Entre as lideranças, está a diretora Herê Aquino, do Grupo Expressões Humanas, para quem “o cooperativismo vai ajudar a aglutinar os grupos, facilitando o trabalho de todos”. A meta da organização é conseguir articular o maior número possível de participantes, de forma a legitimar ainda mais a instituição. Vale conferir.

Nelson Rodrigues



Nelson Rodrigues Por Herê Aquino


Como falar de Nelson Rodrigues sem citar alguma de suas frases polêmicas e cheias de humor? "Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.” •.

Magnificamente polêmico, sua existência foi sempre marcada por opiniões contrárias e incompatíveis em relação a sua vida e a sua obra. É que para entendê-lo precisamos romper com as máscaras que cobrem um patriarcado obsoleto e mostrar a nu, um sistema cuja origem e razão de ser, perdeu-se a muito, na noite dos tempos, apesar de ainda hoje, continuar atormentando-nos como um pesadelo.

Para motivar nossa discussão tentei focar no que mais me atrai na obra de Nelson, que é esse recorte do homem em “conflito” entre seus instintos mais naturais e as convenções naturais que o aprisionam.

Usando da “provocação”, arma poderosa e uma das características mais gritante em todas as suas peças, Nelson nos mostra uma sociedade onde todos os usos da falsa moral, são racionalizações de interesses próprios, o sexo um brutal instrumento de poder e a hipocrisia um estilo de vida.

Nosso “anjo pornográfico” faz seus personagens “expiarem” a culpa pelo simples ato do existir, não para criar a catarse no sentido de purificação ou purgação, nem para aliviar ou minorar as culpas da alma humana, mas porque ansiava com suas obras fétidas e pestilentas, produzir o tifo e a malária na platéia, como os autores do absurdo. Alberto Camus dizia que “O sentimento absurdo é o divorcio entre o homem e sua vida. O homem perante essa existência despropositada”.

A provocação de Nelson sendo profundamente visceral, daí a classificação que suas peças ganharam, principalmente as míticas, de teatro desagradável, desejava incomodar e instigar, a partir do momento que colocava em primeiro plano, o inconsciente, o recalcado, a linguagem dos desejos mais encobertos, as pulsões, tabus e tudo aquilo que não queríamos e que continuamos não querendo ver.

Em “Dorotéia” Maura diz: ... Sei que é... ou deve ser... pecado... Mas... Se eu pudesse não pensar, se eu pudesse não sonhar!

Em “Álbum de Família” Guilherme fala para Glória: ...Se eles vissem o seu braço de fora, só o braço – NU – estendendo uma peça de roupa – iam se impressionar. Sobretudo o pai! (Álbum de família)

E em “Viúva, porém Honesta” Dr. Lambreta: ... Garganta, língua, gengivas vermelhinhas como uma romã... Madame, essa menina tem razão em não querer abrir a boca... Uma boca aberta é meio ginecológica, madame...

No teatro de Nelson há um dilacerar do ser humano insuportavelmente franca, seja em um nível mais social ou em um nível visceral. Em suas peças míticas há um mergulho na mortal eternidade dos homens, nas entranhas universais da alma humana. O homem aparece no seu drama de bicho da terra e criatura exilada de Deus. Como o da gênese, é a criatura diante do mundo e a família, única e primeira, a grande personagem do teatro rodriguiano, e o primeiro elemento transformado em mito.

Fugindo do realismo, a meu ver, em toda a sua obra, Nelson tomou liberdades que se inscreveriam na escola surrealista, expressionista e no Teatro do Absurdo.

Trabalhando com mitos e arquétipos, nos legou a complexidade da contradição e possibilitou simbologias e temas que acompanhariam sistematicamente toda a sua obra. Como exemplos temos:

A MORTE - Raramente natural, e acompanhada sempre por violência em quase a totalidade dos desfechos trágicos, como uma punição que dá a vitória final ao princípio moral / superego/ sociedade. A morte não é colocada como castigo, mas como uma finalização necessária ao conflito. Só através da morte simbólica da figura repressora externa ou interna é que o conflito pode ser resolvido

O SOFRIMENTO – A maioria dos protagonistas de Nelson suporta uma carga de aniquilamento que os aproximam dos heróis expressionistas e trágicos. A morte deixa de ser punição para assumir a fase de redenção.

A CAMA DO CASAL E O CASAMENTO – Não aparece como o local do encontro e da união, transforma-se em mais uma forma de se estar só. Esta instituição nos é apresentada como algo triste, insípido e casto.

A CASA – A casa não é o palco para o encontro de homens e mulheres. É o local da família, da mãe e dos seus. É o local do feminino e das relações pessoais. É regido por regras definidas pelo parentesco. É o local do respeito entre pais e filhos, do autoritarismo e do controle.

A RUA – Construindo seu par dialético a rua é o local da competição, da seleção natural, do trabalho, de uma ética pertencente a um modelo ainda masculino. É o local da escolha de relações, da disputa e onde nem a hierarquia e nem os papeis de cada membro é claro. A rua aparece como o lugar do desregramento, é onde o homem faz-se animal, perpetuamente solteiro e as mulheres tornam-se ali possuidoras dos dotes profanos, sendo mais um objeto a ser cassado e adquirido. A expressão mulher de rua fala por si.

A ESPOSA – A esposa tem no seu arquétipo a imagem da santa, intocável e assexuada. O profano viola o ambiente da santa, macula a honra de uma moral cristã e a sua respectiva instituição doméstica. Encontramos na casa a santa e na rua a puta.

A PUTA – Os prazeres carnais do feminino, no teatro rodriguiano, ficam destinados exclusivamente às putas, e assim também suas conseqüências. Ir da santa para a puta é um convite constante, saboroso e de fácil execução. Já o oposto custa longos rituais e sacrifícios que muitas vezes não resulta em nada. Santa e puta são os arquétipos de nossas personagens femininas.

No teatro de Nelson o que existe não é a ausência do desejo no arquétipo que abrange as mães, esposas e virgens, mas uma fiscalização constante para que este desejo não se manifeste nem em pensamento. É como se houvesse uma instancia eclesiástica que quer nos obrigar a acreditar que podemos não pulsar, não desejar coisa alguma. Como se fosse possível calar em nós tudo aquilo que possui um querer.

O interessante é notar que em todos esses elementos utilizados por Nelson, tal qual um organismo, todos buscam sua sobrevivência ao mesmo tempo em que, intrinsecamente, são casulos de sua própria deteriorização. Portanto, Nelson sentencia: Toda a minha obra não é se não uma grande meditação sobre o amor e sobre a morte.