quinta-feira, 26 de março de 2009

Implantação do Movimento "Todo Teatro é Político"


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O Movimento de Implantação da Cooperativa Cearense de Teatro convoca a todos os grupos, artistas e técnicos de teatro do Ceará a se fazerem presentes no Dia 27 de março de 2009 (sexta–feira), DIA MUNDIAL DO TEATRO, na praça do Ferreira para o lançamento do Manifesto “TODO TEATRO É POLITICO”, nossa bandeira de luta por Políticas Públicas para o teatro cearense e nacional. Venham assiná-lo e fazer parte desse momento histórico do nosso teatro.

Horário: 8h às 20h
Instalação Cênica
Leituras do Manifesto durante o dia.

“O maior patrimônio de uma nação é o espírito de luta de seu povo
e a maior ameaça para uma nação é a desagregação desse espírito.”
George B. Courtelyou



Fundadores do Movimento Todo Teatro é Político

MANIFESTO DA COOPERATIVA CEARENSE DE TEATRO
“TODO TEATRO É POLÍTICO”

Nunca o ser humano precisou tanto da arte como agora. A tensão cada vez maior entre o “eu” e o “nós” só é suportável quando derivamos pelo mundo simbólico que a arte nos proporciona. A desertificação provocada pela modernidade provocou uma devastação tão mais intensa no interior do indivíduo do que até mesmo no seu entorno. A terra arrasada não é a que vemos, é a que sentimos.
Batista de Lima


O manifesto “Todo Teatro é Político” é a representação dos anseios de doze (12) grupos teatrais do Estado do Ceará que, atualmente, estão à frente do movimento em prol da criação da Cooperativa Cearense de Teatro e dos demais grupos, artistas e outros que venham subscrever esse documento.
A cultura é obra e identidade de cada povo. Fruí-la e produzi-la é um direito de todos. Esse direito é reconhecido e previsto em lei. Compreendemos, porém, que o direito não é dado, mas conquistado. Todo direito é fruto do exercício da luta. Acreditamos que mais do que políticas culturais é preciso desenvolver uma cultura política, e é guiado por este pensamento que, hoje, estamos aqui, artistas e ativistas, produtores e fruidores da cultura, com nossas armas: palavras, sons, movimentos, cores, gestos e consciência. Em um exercício de construção de mais uma luta.

É com essa compreensão que os grupos, artistas e técnicos de teatro do Ceará sentem a necessidade de criar um espaço dialógico, uma ferramenta coletiva de luta, um instrumento de gestação de idéias e objetivação das lutas daqueles que fazem o Teatro Cearense. Acreditamos que o cooperativismo é essa forma de organização em que, mesmo sendo plurais em nossas criações, possamos estar juntos num coletivo de coletivos, na conquista de direitos, no fortalecimento da organização e na criação de mecanismos de fomento para a atividade e a produção teatral de nosso Estado.

Fórum de Teatro realizado pelo Movimento

Intentamos ainda que o teatro deva estar aliado à construção de uma ação que discuta não apenas o fazer teatral, como também o papel do artista e da arte nesta sociedade passiva e indiferente diante da qualidade do que é produzido, nesta conjuntura onde a preocupação está apenas com a vendabilidade, fazendo com que as manifestações artísticas sofram a pressão proporcionada pela indústria cultural globalizada e mercantilista.

O panorama cultural de nosso país reflete uma evidente inclinação dos governos a valorizar a quantidade numérica de suas realizações em detrimento da qualidade e do fundamento das atividades artísticas que deveriam fomentar. Essa política está alicerçada também em uma má distribuição dos recursos distribuídos, na transferência da administração do dinheiro público destinado à produção cultural para as mãos das empresas, através dos editais, por fim, em investimentos que privilegiam o mercado e eventos promocionais.


Diante dessa situação o que vemos é uma produção artística encurralada entre uma mercantilização imposta e investimentos governamentais vergonhosos. Hoje, a nível federal a cultura ocupa apenas 0,2% no Orçamento Geral da União, ou seja, a criação artística no Brasil vale 0,2% das preocupações oficiais.

Com esse manifesto desejamos provocar uma discussão com os diversos setores sociais sobre os investimentos governamentais na área teatral, bem como, repudiar ações que reduzam as manifestações artísticas a meras mercadorias e, finalmente, reivindicar políticas públicas urgentes que permitam investimentos diretos na pesquisa e produção teatral continuada e de qualidade, originadas na atividade dos coletivos teatrais, e que se contrapõem, entre outras coisas, a massificação cultural, a perda de paradigmas humanos e ao mecanismo capitalista alheio aos direitos básicos do cidadão e que vê a arte como mero produto.


Entre nossas reivindicações estão:
* A criação, urgente, de políticas culturais públicas que invistam diretamente na pesquisa e produção continuada, originária da atividade dos coletivos teatrais;
* A criação de Programas Permanentes para o teatro nos âmbitos municipal, estadual e federal com recursos orçamentários e geridos com critérios públicos e participativos;
* A efetivação imediata do Conselho Municipal de Cultura, paritário e deliberativo;
* A efetivação do Fundo Municipal de Cultura e sua gerência atrelada ao CMC;
* A abertura e democratização de uso dos espaços públicos, tais como as escolas, centro sociais urbanos, bibliotecas, teatros e anfiteatros;
* Não à concorrência desleal dos governos municipais e estaduais como produtores de cultura e sim à parceria e ao fomento da produção cultural.
* O fim da lei de isenção fiscal para a cultura.
* A criação de um Fundo Público para a Cultura, através de Lei.
* Que este fundo seja o responsável pela implementação de políticas públicas para todas as áreas da cultura.
* Que ele opere através de editais públicos em todas as regiões do Brasil com a participação paritária, em suas comissões de seleção, de representantes escolhidos pelo governo e pelos participantes dos respectivos editais.
* Que este fundo tenha uma dotação orçamentária mínima anual definida pela lei, e que portanto esta lei seja encaminhada pelo poder executivo como um projeto de governo.
* A imediata implantação do projeto “Prêmio Teatro Brasileiro” sob a forma de um edital nacional ainda para o ano de 2009.
* O descongelamento dos 75% do orçamento da união para o Ministério da Cultura. E um aporte de verbas suplementar para que ele atinja o mínimo de 2% do orçamento geral da União.

Acreditamos que a cultura deva ser prioridade do Estado, por ser obra e identidade de um povo e por fortalecer o exercício crítico da cidadania na construção de uma sociedade democrática. Por isso é que hoje aqui nos reunimos. Para celebrar a antevisão de concretização do ideal daqueles que parafraseando Shakespeare acreditam que a arte e a cultura são a matéria-prima de que são feitos os sonhos.


Manifestação na Pça do Ferreira realizada pelo "Movimento" contra a falta de Políticas Públicas para a Cultura - Abertura do I Circuito Alternativo de Teatro - 2013

quarta-feira, 11 de março de 2009

TEATRO E RITUAL

“A essência do teatro que procuramos é pulsar, movimento e ritmo”- J.Grotowski


Por Herê Aquino

Grotowski nos diz que se tivesse que definir suas pesquisas cênicas com uma frase, diria: Brincamos de Shiva, se referindo ao mito da dança de Shiva, o Dançarino Cósmico, o criador dos opostos nos contos mitológicos indianos, aquele que dança a totalidade e que, dançando, “gera tudo o que é e tudo que é destruirá”.

Nessa declaração Grotowski, nada mais quer, que mergulhar na realidade em todos os seus aspectos, na multiplicidade de suas aparências e ao mesmo tempo conservar-se como de fora, a distância extrema na tentativa de apreender a dança das formas, o pulsar das formas para chegar ao que é essencialmente teatral.

Mas o que é essencialmente teatral, ou o que é aquele fator único que decide o fato de algo ser teatral? O que permaneceria se eliminássemos do teatro o que não é teatro? Qual elemento que não poderia ser retomado por qualquer outro gênero artístico?
Para Grotowski essas perguntas o levariam ao cerne da questão em relação a reconstrução no teatro do jogo ritual a partir de elementos que restituíssem o seu princípio vital, objetivo principal de sua pesquisa.

Como os ritos primitivos tinham dado vida ao teatro, Grotowski acreditou, inicialmente, que esse princípio vital estaria unicamente na espontaneidade do teatro original, ou seja, “por meio do retorno ao ritual – em que participam como duas partes, os atores, isto é, os corifeus, e os espectadores, isto é, justamente os participantes – fosse possível reencontrar aquele cerimonial da participação direta, viva, uma reciprocidade peculiar (fenômeno um tanto raro nos nossos tempos), a reação imediata, aberta, liberada e autêntica.” Ou seja, através da co-participação, conseqüentemente chegaríamos ao fenômeno teatral vivo.

Nesse período as discussões também giravam em torno do que seria “arte”, que acabaram por definir como sendo algo artificial, porque construída e lapidada quando na criação de sua forma e, conseqüentemente, que tudo que era natural e orgânico não poderia ser artístico. Ao se aprofundar em suas pesquisas apreende o que, finalmente, acreditou ser o cerne desse teatro: a arte do ator.

A respeito dessa busca por esse teatro ritualístico advindo do trabalho do ator Grotowski nos fala: “Quando analiso atualmente aquele famoso ritual primitivo, o ritual dos selvagens, o que contém? Para o europeu que observa à parte, tra¬ta-se da espontaneidade, mas para o participante autêntico existe uma liturgia muito precisa, isto é, existe uma ordem original, uma certa linha preparada a priori, destilada pelas experiências coletivas, toda aquela or¬dem que se toma a base; e em torno dessa liturgia se entre cruzam jus¬tamente as variações; portanto é preparado a priori e ao mesmo tempo é espontâneo. Só quando a coisa está preparada se pode evitar o caos. Assim então se se quer traçar uma certa linha do comportamento hu¬mano que possa servir ao ator como uma espécie de pista de decolagem, como a chamava Stanislávski, é preciso possuir os “morfemas” dessa par¬titura, assim como as notas são os morfemas de uma partitura musical.” Portanto, o que Grotowski considera morfema são os impulsos que transbordam do interior do corpo para encontrar o exterior, não é o gesto em si, este é somente o seu acabamento, o ponto final, mas a estrutura das articulações dos impulsos que fluem da vida.

Os elementos que compõem o que chamamos ritual no teatro, ou seja, a co-participação, a espontaneidade, o mito, etc se configuram como fundamentais nessa busca pela vida pulsante no teatro, mas a função do teatro como jogo “ritual” é evidentemente diferente dos estereótipos que estão em nossa cabeças sobre ritual . “O ritual na religião é uma espécie de magia, o ritual no teatro, uma espécie de jogo. A questão é renovar o ritual, o ritual teatral, não religioso, mas humano: através do ato, não através da fé.”


Como disse Grotowski: Se o ato tem lugar, então o ator, isto é o ser humano, ultrapassa o estado de incompletude ao qual nós mesmos nos condenamos na vida cotidiana. Esmorece então a divisão entre pensamento e sentimento, entre corpo e alma, entre consciente e inconsciente, entre ver e instinto, entre sexo e cérebro; o ator que fez isso alcança a inteireza.

O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969/ Textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwik Flaszen com um escrito de Eugênio Barba; curadoria de Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli com a colaboração de Renata Molinari; tradução para o português Berenice Raulino. -- São Paulo: Perspectiva: SESC; Pontedera, IT: Fondazione Pontedera Teatro, 2007.