sábado, 31 de janeiro de 2009

Revista do Espetáculo "ENCANTRAGO - Ver de Rosa um Ser Tão"


EDITORIAL

A revista programa do espetáculo ENCANTRAGO – Ver de Rosa um Ser Tão traz para o público, através dos textos e das imagens fotográficas, uma reflexão sobre as idéias que permeiam a encenação. O espetáculo é o resultado de 10 meses de trabalho de dois coletivos, o Grupo Expressões Humanas e o Grupo Teatro Vitrine.


O espetáculo é inspirado livremente na obra de Guimarães Rosa e na cultura popular Brasileira e dar continuidade a pesquisa da diretora Herê Aquino, dentro do Grupo Expressões Humanas, sobre os rituais humanos como um elemento essencialmente eficaz na arte teatral.
A pesquisa sobre os rituais pontua mitos, arquétipos, tradições e brinca de embaralhar o mundo real e simbólico para colocar na cena a ação, o épico, a fantasia, buscando ir além da linguagem puramente estética para apreender a essência das emoções suscitadas pelos rituais na cena teatral e desvelar o estado de efervescência emanado pelos atores e pelo público.




SINOPSE

“Encantrago – Ver de Rosa um Ser Tão” é o novo espetáculo do Grupo Expressões Humanas em parceria com o Grupo Teatro Vitrine. A direção é de Herê Aquino que também assina a dramaturgia, livremente inspirada na obra de Guimarães Rosa e na cultura popular brasileira.
O espetáculo é um mergulho no coração intratável e miraculoso do Brasil e uma aventura onde os contrastes e as ambivalências consagram o paradoxal mundo sertanejo e a encantada vastidão do homem.

A forte presença do universo fantástico, da riqueza do imaginário popular e o resgate dos rituais humanos têm o intuito de aproximar atores e público numa grande vivência integradora que nos remeta a origem do teatro. Essa provocação perpassa metaforicamente vários ritos de passagens, tempos, espaços e mitos que se reafirmam e se embaralham nesse mundo real e simbólico. Mundos estes que, no sertão, se configuram onde a vida é quase uma impossibilidade.

O espetáculo é um convite para fomentar um novo olhar diferenciado e crítico sobre esses inquietos e diversos pedacinhos de universos sertanejos. Acreditamos que acariciando ritualisticamente a geografia e o homem, chegaremos aos mistérios e grandezas feéricas do mundo, onde “mandavam a audácia e a coragem, e o mundo todo, e o inexplicável e o irracional, e a bondade e a maldade, e o destino e o demônio, e o que o homem de si mesmo não sabe, as suas profundezas.” Como dizia Guimarães Rosa.



A MUSICALIDADE DE ENCANTRAGO...

Traduzir musicalmente Guimarães Rosa é um desafio extremamente prazeroso, assumido com muita coragem e perseverança por nós que apresentamos Encantrago e, agora, partilhado com o público, que conosco completa o ritual do teatro. A partir do estudo da obra de Guimarães, inspirados na delicadeza e intimidade com a qual o autor consegue imprimir sua marca naqueles que o experimentam, nos conscientizamos de que cada elemento do espetáculo deveria oferecer ao espectador um caminho que ele, na verdade, já conhecesse por essência. Assim, a pesquisa musical de Encantrago se desenvolveu numa busca pela espiritualidade da cultura popular brasileira, presente no coração de cada um. Algumas canções são já conhecidas pelo público, extraídas da própria cultura popular, e o que trouxemos de original são composições construídas basicamente em cima de letras de Guimarães Rosa, utilizando ritmos populares, como o côco e a ciranda.

A cultura popular tem o poder de tocar as pessoas sem precisar contextualizá-las racionalmente. À medida que fomos trabalhando as músicas na montagem da peça, mesmo os atores que não tinham familiaridade com os ritmos foram descobrindo em seus corpos o pulsar de uma cultura que pertence a nós por herança. Oferecer esta mesma sensação para o público é uma experiência extremamente enriquecedora para nós, como artistas e como pessoas. Todos os grandes momentos de transformação na peça são cantados, sonorizados ou acompanhados pelo nosso aliado musical mais misterioso, o silêncio. Não há prazer maior que ver o espectador participando da cena, cantando conosco, partilhando esse brinde de profusa emoção: cantar o que se sente.

Juliana Veras
Atriz e compositora musical do espetáculo



A ILUMINAÇÃO QUE CONVIDA AO RITUAL/span>


Todos os elementos da cena se harmonizam para compor a vida no teatro. As idéias vão sendo expostas e vividas através de um teatro total, onde a ação, palavra, linha, cor e ritmo se fundem tentando transmitir o inenarrável, e o inexplicável dessa realidade crua e fantástica do universo sertanejo. 

Nessa encenação rejeita-se o decorativismo e o excesso de cor para priorizar os contrastes. Claro e escuro, iluminação mais periférica e a luz difusa das lamparinas e das velas vão nos remetendo a um aclaramento primitivo e ritualístico que nos faz, propositadamente, mergulhar na cena . 
Essa atmosfera sugerida pelo uso das lamparinas e velas não comunicam unicamente a luz, mas também a escuridão que nos remetem a um clima ancestral, onde as figuras aparecem rodeadas por zonas escuras, sugerindo a busca de um efeito luminoso que se perdeu no tempo, rico de referências antropológicas e culturais. Essa preferência tem o intuito de valorizar os silêncios, as intenções, a musicalidade, as lembranças e a criação de imagens singulares e arquetípicas que nos estimulem na busca por um teatro sensorial e ritualístico e que nos convide a vivenciá-lo. 

Wallace Rios
Ator e Iluminador


A universalidade de Encantrago – Ver de Rosa um Ser Tão

Trata-se de um texto, livremente inspirado na obra de Guimarães Rosa, resultado de uma visita que a diretora teatral Herê Aquino, fez ao nosso grande mestre da literatura brasileira e da qual resultou o espetáculo ENCANTRAGO - Ver de Rosa um Ser Tão.
“Procurei trazer para a cena essa complexidade do homem, do sertão e de Rosa, como se os três estivessem intrinsecamente ligados formando o indivisível, o uno.” Através do que se delineia como mais peculiar Herê Aquino mexe e remexe no que poderíamos chamar de “essencialidades Rosianas” para extrair daí o inenarrável, o inexplicável, o indizível e recriar a cena teatral.
Esse pensamento da diretora entra em consonância com as palavras de Guimarães – “não há, de um lado o mundo e, de outro, o homem que atravessa. Além de viajante, o homem é a viagem – objeto e sujeito da travessia, em cujo processo o mundo se faz.” - e estabelece uma cumplicidade que se resvala no texto e no processo de montagem do espetáculo.

O texto de “Encantrago” prioriza os contrastes e ambivalências para enriquecer o paradoxal mundo sertanejo onde ritualisticamente as coisas se consagram. Esse mundo que se configura onde a vida é quase uma impossibilidade é um mergulho no “coração intratável e miraculoso do Brasil” para a partir desse recorte, do homem cordial, ou seja, que age pelo coração, portanto pelos impulsos e pelo “arbítrio”, “O sertão é o desertão” – “É onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.” se chegar aos vastos espaços recheados da matéria prima onde esse homem povoa sua imaginação, criando e recriando a “fantasiação” e descobrindo um sentido para o existir.
É captando essa complexidade, que a diretora conseguiu chegar nessa investigação que ultrapassa o particular, demarcado por um estereótipo de um sertão geográfico e beirar a arrojada e desafiadora complexidade da universalidade humana.

“Encantrago” intui essa realidade real e simbólica para se construir de forma mais concreta na cena, confirmando que o teatro, propriamente dito, não é apenas o lugar dos corpos submetidos à lei da gravidade, mas também o contexto real em que ocorre um entrecruzamento único de vida real cotidiana e vida esteticamente organizada”. O teatro é só um pedacinho desse esmero de tantos artistas pesquisadores que em sintonia com a consciência, a sensibilidade, a percepção e a vida produzem o que chamamos de ARTE.

Portanto, para que a escrita cênica de “Encantrago...” fosse ritualisticamente representada no palco, forma e conteúdo transcenderam a dramaturgia e possibilitaram, através da concepção cênica da diretora e do trabalho dos atores, o espaço indiscutível da fabulação que é, propositadamente, a origem das veredas por onde fluem todos os grandes mistérios que compõem o imaginário do povo sertanejo.
Sendo assim, penso que o espetáculo demonstra não só um cosmo pré-estabelecido pelas tradições familiares e culturais que demarcam as fronteiras geográficas do sertão, mas e, principalmente, a força que se configura e que nos é maravilhosamente assustadora: a grandiosa universalidade dos vastos sertões humanos.

Zeila Costa
Mestre em Antropologia

Um comentário:

  1. essa foi a melhor peça que eu já vi até hoje! vocês são maravilhosos!!!

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